Para enriquecer o inventário e manter o requinte,
um poeta não escolhe falar sobre o amor. Falar sobre o amor já se faz por aí,
em tríades truncadas nos trastes dos violões judiados pela simplificação do
sentimento. Como o porta-voz universal do coração, o bom poeta fala com o amor.
Impõe postura, limpa sua garganta e diz: "Ó, amor meu, que tens a me dizer
desta vez?", e o amor responde, dando início à poesia. Conversam em pé de
igualdade, com ofensas rebatidas e lembranças ardentes. Tudo devidamente
anotado pelo poeta, em minúcias, gracejos e metáforas. Detalhes não lhe podem
escapar, pois fala com o amor, afinal, tão ocupado que és.
Conversam por horas, por dias, anos. Mesmo assim,
nunca se acertam. Há sempre uma pendência do poeta para com o amor, por não se
satisfazer com as palavras de que se valeu para cantá-lo. Por dizer, dizer e
mais dizer e, ainda assim, não o compreender. Afinal, como vai compreendê-lo
realmente se o amor de amanhã não será o amor de hoje, que já não é o amor de
ontem, que, por sua vez, é completamente diferente dos amores de outrora?
Infeliz o poeta, que não vive todos esses amores,
apesar de os querer. Que suspira a cada sussurro, que se arrepia a cada lamento
eloquente e se emociona com tanta beleza que esse amor desfila em seu coração.
Isso nada traz ao poeta senão infelicidade, impotência em ver que o amor ali
está, cheio de vida e de morte, dançante como uma bailarina, e que não consegue
decifrá-lo por completo; sofre como um fotógrafo que persiste em tirar um belo
retrato de uma inconstante borboleta, difícil de enquadrar, e obtém nada mais
que silhuetas borradas. O bom poeta, depois de tempo incomensurável no divã com
o amor, é apenas isso: o desolado artista ilusoriamente contente pelas figuras
desfocadas que conseguiu escrever.
Também há, obviamente, a pendência do amor para
com o poeta. Não poderia dizê-la aqui a vocês, entretanto, porque minha
conversa com esse ilustre desgraçado amor ainda está em curso. Por hora,
calo-me e ouço e só.
Belíssimo texto, Lucas!
ResponderExcluirMuito obrigado!
ExcluirÓtimo de ler, como sempre. Também gostei do novo layout do blog!
ResponderExcluirEba, muito obrigado! Eu também gostei do novo layout, espero que melhore as leituras.
ExcluirQue texto!
ResponderExcluirMas espero que não sejas apenas mais um tal poeta infeliz, "que não vive todos esses amores, apesar de os querer."
Afinal, para que vale a vida?
Abraço!
São tantos meus amores na vida hoje. Tento vivê-los, mas sei que foge de mim tê-los todos.
ExcluirMesmo assim, sigo tentando. E vivendo, sem dúvida.
Abraço, meu velho.