sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Conversa de Alto Nível


     Para enriquecer o inventário e manter o requinte, um poeta não escolhe falar sobre o amor. Falar sobre o amor já se faz por aí, em tríades truncadas nos trastes dos violões judiados pela simplificação do sentimento. Como o porta-voz universal do coração, o bom poeta fala com o amor. Impõe postura, limpa sua garganta e diz: "Ó, amor meu, que tens a me dizer desta vez?", e o amor responde, dando início à poesia. Conversam em pé de igualdade, com ofensas rebatidas e lembranças ardentes. Tudo devidamente anotado pelo poeta, em minúcias, gracejos e metáforas. Detalhes não lhe podem escapar, pois fala com o amor, afinal, tão ocupado que és.
       Conversam por horas, por dias, anos. Mesmo assim, nunca se acertam. Há sempre uma pendência do poeta para com o amor, por não se satisfazer com as palavras de que se valeu para cantá-lo. Por dizer, dizer e mais dizer e, ainda assim, não o compreender. Afinal, como vai compreendê-lo realmente se o amor de amanhã não será o amor de hoje, que já não é o amor de ontem, que, por sua vez, é completamente diferente dos amores de outrora?
       Infeliz o poeta, que não vive todos esses amores, apesar de os querer. Que suspira a cada sussurro, que se arrepia a cada lamento eloquente e se emociona com tanta beleza que esse amor desfila em seu coração. Isso nada traz ao poeta senão infelicidade, impotência em ver que o amor ali está, cheio de vida e de morte, dançante como uma bailarina, e que não consegue decifrá-lo por completo; sofre como um fotógrafo que persiste em tirar um belo retrato de uma inconstante borboleta, difícil de enquadrar, e obtém nada mais que silhuetas borradas. O bom poeta, depois de tempo incomensurável no divã com o amor, é apenas isso: o desolado artista ilusoriamente contente pelas figuras desfocadas que conseguiu escrever.
       Também há, obviamente, a pendência do amor para com o poeta. Não poderia dizê-la aqui a vocês, entretanto, porque minha conversa com esse ilustre desgraçado amor ainda está em curso. Por hora, calo-me e ouço e só.

6 comentários:

  1. Belíssimo texto, Lucas!

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  2. Ótimo de ler, como sempre. Também gostei do novo layout do blog!

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    1. Eba, muito obrigado! Eu também gostei do novo layout, espero que melhore as leituras.

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  3. Que texto!
    Mas espero que não sejas apenas mais um tal poeta infeliz, "que não vive todos esses amores, apesar de os querer."
    Afinal, para que vale a vida?

    Abraço!

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    1. São tantos meus amores na vida hoje. Tento vivê-los, mas sei que foge de mim tê-los todos.
      Mesmo assim, sigo tentando. E vivendo, sem dúvida.

      Abraço, meu velho.

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