quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A Identidade do Poeta

Não se engane, não.
Um poeta não fala poesia.
Poeta xinga, ri, articula,
intercala "e daí" com jargão.

Logo de manhã, cansa-se da vida
come do mesmo pão,
bebe da mesma bebida
e ouve as mesmas notícias.

Solto no dia-a-dia,
mistura-se na multidão,
torce de trás do alambrado,
almoça por ali e toma condução.

À noite, a caminho de casa
o poeta maldiz a rotina,
dobra uma e outra esquina
e atrasa-se para jantar.

Suja a mulher e o lençol,
reflete em letargia.
O dia todo, não falou poesia.
Foi poeta, porém, em tempo integral.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Multitarefa


Devo confessar que me invejam as pessoas muito capazes em voltar sua atenção a diversas coisas ao mesmo tempo. Com efeito, chamá-las-ei aqui de “multitarefas”. São essas que cumprem a manhã tomando seu café, lendo seu jornal e ouvindo suas músicas. Já de antemão excluo dessa minha categoria aquelas que perdem o refrão, que se esquecem da manchete quando veem a ilustração, que entornam o líquido sem saber do grão. Refiro-me aos que, com involuntária destreza e desconforme certeza, concluem suas tarefas com nota dez nos três quesitos.
É tão admirável tal capacidade que me ponho a pensar: como é possível? Será que treinam, pondo-se à prova ao acompanhar as notícias na televisão, preparando salada, arroz, feijão e mistura para o almoço, com o telefone pendurado à orelha e os olhos atentos na mosca que espreita a fruteira? Ou simplesmente nasceram assim, graças a uma particular e fortuita combinação genética (da qual não faço ideia)? Digam-me, caros leitores, vosso segredo de sucesso nessa vida multiatarefada.
Tenho dó de mim por não pertencer a esse seleto grupo. Dó dessas minhas linhas, que demoram a aparecer tal como você as lê agora. Perdem a vez a uma leitura de tirinha, a uma inútil vasculhada na geladeira, a um sussurro de Tom e Vinicius, até a uma disenteria inesperada. Tudo feito à sua vez, sem atropelar outros de meus diversos interesses que, hora ou outra, sairão. Reitero, no entanto: cada um à sua vez.
Resta-me conformar-me com o que sou. Não que seja coisa ruim ou imprópria, estéril. Contrariamente, talvez eu tenha a minúcia e a acuidade que porventura lhes falte. Sou, afinal, homem de momentos. Duradouros ou homem de instantes. Dedicados, sobretudo. Sim, de momentos, cujo ofício que me cabe é único e ímpar. Melhor deixar as multitarefas com quem as bem sabe. Da singularidade cuido eu.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Soneto da Beleza Horizontal

Quando uma moça é bonita
faz-se mais do que justiça
que, a partir de uma premissa,
dedique-lhe alguma escrita.

Diga a ela que recita
em seu nome, mas sem missa;
Diga-a logo como atiça,
como és bela, senhorita.

Escrevo assim meu endosso
pra que não se acanhe e fale
- como falho - a uma mulher.

Ah! hoje em dia é bom dizer
que tudo acima ainda vale
se bonito for o moço.


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A Daydream About Flowers

A plentiful and flowered garden,
over an unreachable distance.
Yes, I think of you.
Those that bring me memories and hope.
Those flowers that I could talk with,
that made me complete for some reason.


Your scent reminds me a of waterfall of thoughts.
Pictures of you makes my eyes brighter.

Missing flowers is terrible for my sanity.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Nessa Noite

Nesta noite, resolvi
deixar a janela aberta
para que, antes de dormir,
tente alguma descoberta.

Nesta noite, resolvi
deixar a janela aberta
e desbravar o universo
que uma nuvem acoberta.

Nesta noite, decidi
deixar a janela aberta
para desvendar mistérios
de outro sol que me desperta.

Nessa noite, então, morri
deixando a janela aberta
pois me fugiram os sonhos
todos, só restando a vida

deserta.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Três Dias de Trégua

Cidade vazia é euforia.
Ouço pássaros, não automóveis.
Sinto no rosto, nu, na brisa
o sol que sentem sob teto de metal.
Já não vejo gente. Vejo o céu
desta manhã, limpo e lindo,
a não ser pelo rastro cinza
horizontaleopacoecinza
tossido pelos autos
que agora abarrotam outras vizinhanças.
Fora isso, cidade vazia é alegria.
Ao menos até o próximo domingo.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

O Homem e o Mundo

O homem outrora mergulhado em amor
expõe-se a ambientes hostis,
definitivamente hostis,
febris,
para definhar em dor.

Lamenta a revisita involuntária,
essa teimosia inata,
carregada de - surpreendente - consciência,
em embate antitético.

Vai beber do poço erodido, ressecado
para morrer de avidez.
Erra por caminhos seus, sabidos
e desencontra-se.
Com seus adversos, ri, colérico
em desvario amargo.

Pobre esse homem, incapaz de dizer-se: perdi.

Que, ao perder, perca-se.
E que, perdido, encontre seus afins,
pois somos nós esse homem; sois vós e são eles.
O mundo é o homem, afinal.
E o mundo teme viver para sempre preso.
Teme para sempre viver morto.

Vença e sê liberto, mundo.
Gire, gigante, homem.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Lampejos





Não pense
que alguns
lampejos
de         
alegria

fazem
da vida
uma       passagem

alegre.

a tornam
menos

triste.