terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Poesia Viva

Ela sente diferente
muito do que a gente
teima em nem sentir.
Diz assim, bem eloquente
e eu, obediente,
de canto a sorrir.

Ela estava então calada,
meio concentrada
nesse verso meu.
Sentia-se pouca e rasa e
louca e receosa,
perdida no breu.

Nada de inferioridade,
apenas na idade
de ser aprendiz.
Ouvindo a felicidade,
sensibilidade
ao que a canção diz.

Se dormia a madrugada
ou a namorada,
ou talvez os dois.
Como estavam misturadas,
ambas acordadas,
ficou pra depois.

Como dois alunos juntos,
estudamos juntos
o que a vida dá.
E maturando ainda juntos
versos em conjuntos
aqui e acolá.

Ela, poema ambulante,
com seu jeito errante
de passar por mim.
Eu, perdido nesse instante,
digo, dissonante:
"sinto-a viva", enfim.

Chegando ao final da festa,
despediu-se desta,
enquanto eu dormia.
E, no fim, ainda me resta

um beijo na testa
da viva poesia.




(aproveite o chorinho clicando aqui)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Conversa de Alto Nível


     Para enriquecer o inventário e manter o requinte, um poeta não escolhe falar sobre o amor. Falar sobre o amor já se faz por aí, em tríades truncadas nos trastes dos violões judiados pela simplificação do sentimento. Como o porta-voz universal do coração, o bom poeta fala com o amor. Impõe postura, limpa sua garganta e diz: "Ó, amor meu, que tens a me dizer desta vez?", e o amor responde, dando início à poesia. Conversam em pé de igualdade, com ofensas rebatidas e lembranças ardentes. Tudo devidamente anotado pelo poeta, em minúcias, gracejos e metáforas. Detalhes não lhe podem escapar, pois fala com o amor, afinal, tão ocupado que és.
       Conversam por horas, por dias, anos. Mesmo assim, nunca se acertam. Há sempre uma pendência do poeta para com o amor, por não se satisfazer com as palavras de que se valeu para cantá-lo. Por dizer, dizer e mais dizer e, ainda assim, não o compreender. Afinal, como vai compreendê-lo realmente se o amor de amanhã não será o amor de hoje, que já não é o amor de ontem, que, por sua vez, é completamente diferente dos amores de outrora?
       Infeliz o poeta, que não vive todos esses amores, apesar de os querer. Que suspira a cada sussurro, que se arrepia a cada lamento eloquente e se emociona com tanta beleza que esse amor desfila em seu coração. Isso nada traz ao poeta senão infelicidade, impotência em ver que o amor ali está, cheio de vida e de morte, dançante como uma bailarina, e que não consegue decifrá-lo por completo; sofre como um fotógrafo que persiste em tirar um belo retrato de uma inconstante borboleta, difícil de enquadrar, e obtém nada mais que silhuetas borradas. O bom poeta, depois de tempo incomensurável no divã com o amor, é apenas isso: o desolado artista ilusoriamente contente pelas figuras desfocadas que conseguiu escrever.
       Também há, obviamente, a pendência do amor para com o poeta. Não poderia dizê-la aqui a vocês, entretanto, porque minha conversa com esse ilustre desgraçado amor ainda está em curso. Por hora, calo-me e ouço e só.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Que Venham!

Hoje acordei motivado.
Sem motivo especial,
só com uma inspiração
de bons ares que virão.
Mas nada que com destino
tenha qualquer coisa a ver.
E com instinto, tampouco.
É apenas o resultado
do acúmulo de pequenos
e favoráveis eventos
que nos ocorrem na vida.
Até umas e outras notícias,
em ordem sequencial,
reforçaram a ventura
e toda essa questão.
Ela já vem, entretanto,
de longe, de antes, de outros,
de momento desigual
e, por acaso, de ser
única, efêmera e só.
Meu contento está na sorte
de receber com ternura
as bonanças vindouras
e abraçá-las com vigor,
dizendo-lhes, uma a uma
"Sejam bem-vindas, vocês!"

domingo, 5 de janeiro de 2014

Samba de Virada

Tum tum
faz a batida
que bate o tan tan
e o bule na avenida.

Na medida
o som percorre
os corações de São Jorge
e nunca morre.

Também não
morre o tum tum
do coração paulista.

Vive!

Vive, vendo o samba da pele negra
e da pele branca
que tantam e pandeiram
e encantam
e cortejam a cidade.

Samba
que sacode efusivo
e se entranha
em sorriso e vontade,
quase com a saudade
que só o samba pode dar.

Tum tum, então,
dando o tom
do novo ano
que, por engano,
passou sem querer passar
enquanto passava na avenida
coração meu,
sorriso teu,
em São Jorge de Goiás.